segunda-feira, 22 de fevereiro de 2010

Com os hoplitas, os gregos formam um exército constituído de cidadãos livres

A chegada do hoplita, soldado da infantaria que deve seu nome ao escudo que carrega, causou uma revolução. Privilegiou o choque frontal trazido pela falange em detrimento dos ataques rápidos e breves. A Grécia formou um exército de cidadãos livres e não mais de mercenários ou de escravos


Há uma dezena de anos, o mundo dos especialistas em Antiguidade grega foi abalado pelo trabalho de Victor Davis Hanson, professor da Universidade da Califórnia. Desde então, as polêmicas não cessaram de circular ao redor das hipóteses e idéias apresentadas no livro O Modelo Ocidental da Guerra, com um subtítulo mais explícito: A Batalha da Infantaria na Grécia Clássica. Examinando de perto o sistema político-econômico das cidades gregas e as narrativas das batalhas de época, o historiador propõe uma teoria que é, desde então, adotada por quase todos os especialistas anglo-saxões em questões militares. Hanson testou suas hipóteses exaustivamente: seus estudantes na Universidade da Califórnia vestiram réplicas de armaduras gregas de metal e, sob o sol do deserto californiano, fizeram exercícios com armamentos de bronze pesando até 35 kg.


Os hoplitas combatiam em conjuntos de milhares de guerreiros, postos
em formação tática disciplinada, armados com espadas e lanças, muito bem
protegidos. Com este modelo de exército, a vitória passou a ser um feito
coletivo, ao contrário da antiga formação aristocrática, que
a considerava um feito individual.


Existiria assim um "modelo ocidental de guerra", e os gregos dos séculos VIII e VII a . C. seriam seus inventores. Este modelo se resume da seguinte forma: preferência clara, às vezes dominante, pelo choque frontal e pela batalha decisiva; vontade de obter um resultado claro em prazos reduzidos; vontade de marcar uma separação clara entre o amigo e o inimigo de um lado, e, de outro, o tempo da guerra e o da paz.

Já se sabia que cada povo, cada civilização, possui uma forma particular de fazer a guerra. Os cronistas sempre insistiram neste ponto, e os trabalhos dos antropólogos contemporâneos apenas confirmaram este saber empírico. Mas um "modelo ocidental da guerra", sobretudo aquele que interessava a Hanson, supõe ser comum a um número considerável de civilizações, por vários milênios. Temos, então, o direito de nos questionarmos e de usarmos de prudência intelectual. De fato, não estamos apenas diante de uma arte da guerra tal como praticada por um povo bastante estabelecido em uma época precisa e limitada, pois, segundo nosso autor, os gregos das cidades antigas inventaram um modelo de guerra que foi adotado posteriormente por todas as civilizações ocidentais, de forma mais ou menos consciente. Modelo que encontra, assim, sua conceituação teórica com os escritos militares do general prussiano Carl von Clausewitz, nos primeiros decênios do século XIX, empregados nas hecatombes da Primeira Guerra Mundial.

A tese de Hanson é de extrema importância, não somente porque propõe uma grade de análise de vários milênios de arte da guerra, o que não é pouco, mas ainda porque pretende provar que a "matriz" do Ocidente, que foi a civilização das cidades gregas da era clássica, não deu origem somente aos modelos nos campos político, filosófico, científico e artístico, o que é normalmente admitido há séculos e constitui até mesmo uma espécie de clichê, mas também no campo militar. Será preciso, então, colocar o hoplita grego ao lado de Péricles, Demóstenes, Platão e Aristóteles, como figura fundadora da nossa civilização ocidental.

O modelo guerreiro inventado pelos gregos entre 700 e 500 a.C. é inseparável do sistema político da cidade - a democracia - pois não é nem mais nem menos que o seu produto. Então, o que é uma cidade para os gregos? Ao contrário do que seríamos levados a crer, não se trata de um lugar, de um espaço físico situado numa cidade ou em qualquer outro aglomerado no sentido urbanístico do termo. Trata-se, em essência, de um conjunto de homens livres decidindo coletiva e livremente o destino de sua comunidade. Conseqüentemente, a cidade se encontra onde se encontram seus cidadãos. Se todos estes embarcassem em navios, como os atenienses fizeram diversas vezes devido aos perigos que os ameaçavam, a cidade encontrar-se ia sobre os navios e não mais sobre Atenas. Aliás, a literatura do tempo nunca fala de Atenas, prova da pouca importância dada a aglomeração urbana enquanto tal. Enfim, como a cidade poderia indicar apenas um conjunto urbano e arquitetônico, desde esta época, quando a maioria dos cidadãos habitava extramuros, e eram camponeses vivendo em suas terras?

A cidade se encontrando onde se encontram os cidadãos, é natural que possua uma extensão sob o campo de batalha, e que a formação tática adotada por estes mesmos cidadãos seja o reflexo de sua organização política, ainda mais que a atividade guerreira é, sem dúvida, uma das mais importantes aos olhos dos gregos, ao lado da agricultura. Este sistema, que emerge no século VIII a.C., é tanto político quanto econômico. Ele se origina de uma nova categoria sócio-econômica - a dos pequenos proprietários rurais - que, possuindo as terras desde o surgimento dos grandes domínios micênicos, caso único em todo o Mediterrâneo de outrora, beneficiam-se do direito de possuir armas individuais. Além disso, durante o mesmo período em que se viu o fim da Idade do Bronze, o trabalho com ferro se generalizou, tornando as armas mais sólidas e, conseqüentemente, mais mortais, enquanto as armaduras e os capacetes vão permanecer em bronze, mais flexíveis e mais leves. Devemos dizer que estes homens estavam bastante decididos a defender a qualquer custo suas posses, e que eles se consideravam capazes de fazê-lo, principalmente contra as suas cidades vizinhas, e isto a fim de evitar que os imensos domínios da época micênica pudessem ser reconstituídos.

Assim, se coloca progressivamente em prática um modo de guerra bastante particular, característico deste conjunto de civilizações e, sobretudo, perfeitamente adaptado aos objetivos político-estratégicos específicos, mas igualmente muito limitados. A vontade dos fazendeiros gregos é, então, de defender não somente a realidade de seus campos, mas também a idéia, o princípio da inviolabilidade de seus domínios e a propriedade privada, mesmo quando as devastações de culturas por eventuais invasores de cidades vizinhas sejam pequenas e pouco expressivas.

Tendo adotado nesse meio tempo o princípio tático da infantaria pesada, aperfeiçoada pouco antes pelos assírios, os pequenos proprietários rurais gregos reduziram consideravelmente os papéis táticos da cavalaria aristocrática e da infantaria leve (munida de armas de arremesso, como dardos, arcos e fundas) saída das camadas mais pobres da população. A infantaria pesada dos hoplitas iria, assim, se tornar o núcleo armado das cidades gregas. Este sistema tático é, na verdade, o reflexo de um sistema político. Assim, os exércitos vão contar, na frente de batalha, com quantidades impressionantes de soldados de infantaria poderosos, disciplinados e, sobretudo, motivados. Circunstância que vai representar considerável vantagem militar sobre as armas das monarquias orientais, compostas de mercenários e aristocratas, ou na maioria dos casos, de homens vivendo totalmente à margem da sociedade.


A falange, ponta-de-lança do exército grego A força da falange é a coesão. Quando estão perfeitamente alinhadas, são praticamente invencíveis. As primeiras fileiras golpeiam o inimigo com lanças, enquanto são empurradas pelas fileiras que vêm atrás. A arte da infantaria consiste em avançar de forma unida, esforçando-se para não perder o equilíbrio sobre um solo coberto de armas, feridos e mortos.


Os hoplitas das cidades gregas eram equipados com uma armadura cobrindo todo o tronco, de um elmo, de grevas (parte da armadura que protegia do joelho ao pé, espécie de caneleira), de um pesado escudo de madeira reforçado com metal, de uma espada curta e de uma lança de aproximadamente dois metros de comprimento. Neste ponto, os gregos ainda se distinguiam claramente dos bárbaros, geralmente munidos de armas de arremesso. Assim, da estrita ótica da lógica tática, a infantaria pesada apresentava graves inconvenientes: lentidão nas marchas, dificuldade de manuseio das armas, e quase incapacidade de evolução sobre terrenos acidentados, comuns na Grécia. Entretanto, tais inconvenientes eram deliberadamente escolhidos para surpreender o inimigo pela sutileza da manobra.
No cenário de um sistema estratégico onde sempre combatiam entre adversários similares para alcançar objetivos limitados, os fazendeiros gregos recusavam, de fato, toda outra forma de combate que não o choque frontal mais violento - e o mais rápido - no qual a infantaria pesadas dos hoplitas era, na verdade, de perigosa eficácia.

Guerra extremamente ritualizada e decidida de maneira democrática, permitia evitar as incessantes e intermináveis escaramuças praticadas por toda a parte. Quando precisavam resolver um conflito, as cidades gregas reuniam seus cidadãos livres e combatiam numa planície agrícola adaptada para o conflito. O combate era mortal, mas o tempo da batalha durava apenas algumas horas, previamente estabelecidas de comum acordo entre os contendores, como se fosse um evento esportivo. Dessa forma, a violência e a guerra estavam estritamente concentradas no tempo e espaço. O tempo de guerra era bastante distinto do tempo de paz, e as algaras (expedições guerreiras ou incursão de cavaleiros num território especialmente para provocar tumulto e destruição), as emboscadas, as invasões, as perseguições, testemunhos do caráter interminável dos conflitos e da situação de insegurança permanente, eram, então, eliminados. Enfim, nascidos destes encontros, surgia um resultado claro e nítido, com um vencedor e um vencido claramente incontestáveis. O historiador britânico John Keagan também resumiu o princípio da batalha hoplítica grega: Os gregos em serviço armado votavam também por uma nova espécie de guerra, voltada para o mesmo fim do processo democrático: um resultado instantâneo e sem equívoco. Bem entendido, o corolário desta busca do evento decisivo é que a violência, antes difusa e ainda relativamente humana, tornou-se, ipso facto, desumana e de intensidade raramente alcançada durante os séculos anteriores.

Na planície agrícola, os dois exércitos se enfrentam durante longo momento sob um sol inclemente. Os chefes discursam às tropas para encorajá-las mas, embora este procedimento apresente os limites de comportamento de forma bem clara, os hoplitas recorrem freqüentemente ao álcool, e bebem desbragadamente durante os minutos que precedem o combate. Os autores das comédias gregas, que viveram quase todas as experiências de batalha, assim como os filósofos e escritores, não deixaram de ridicularizar o fato de seus compatriotas não conseguirem controlar a bexiga e os intestinos nesses instantes dramáticos, petrificados que estavam pelo medo. Aristófanes, o comediógrafo autor de Lisístra, entre outras peças, garantia que uma falange exalava mau cheiro a várias dezenas de metros. Os homens vestiam as armaduras e os elmos apenas no último momento, já que os 35 quilos de bronze do equipamento não podiam ser suportados por muito tempo no calor do verão. Depois, o embate era iniciado e as duas falanges se arremessavam uma contra a outra, em uma corrida de aproximadamente 200 metros. O choque era assustador, e ouviam-se gritos selvagens e gemidos de dor. Prensados uns contra os outros, com a cabeça coberta por um elmo que oferecia apenas uma visão limitada, os homens pouco enxergava e distribuíam golpes ao acaso, inclusive sobre seus próximos e seus aliados vizinhos. Contava apenas a pressão que devia ser exercida a qualquer preço sobre a massa inimiga. A última fileira pressionava as primeiras e pisoteava os corpos dos mortos e dos feridos, amigos e inimigos.

Informações da época dão conta de que grande parte das perdas era devida ao pisoteio durante o combate e não tanto pelos golpes de armas. Ao fim de algumas dezenas de minutos, um dos dois campos cedia. Abatia-se moralmente, perdia a coesão e se deixava levar pelo pânico, ou seja, pelo domínios do deus Pan, o mestre do caos. Os guerreiros procuravam fugir o mais rápido possível deste inferno, livrando-se de seus equipamentos e evitando ser pegos pelo exército inimigo. Uma vez que os inimigos fugiam, os vencedores não os perseguiam para exterminá-los, pois as pesadas armaduras impediam qualquer ação complementar. Nos dias seguintes, os adversários vinham, em comum acordo, recolher seus mortos e os vencedores edificam um mausoléu no local do combate.

Tal prática de guerra revela uma ideologia, e procura tanto torná-la possível quanto a justificá-la. Esta ideologia dava ênfase, a qualquer preço, à disciplina e à coesão da falange. Assim, o pesado e enorme escudo dos hoplitas servia tanto para proteger aquele que o portava, quanto o homem situado imediatamente à sua esquerda. Aristóteles fará disto um dos maiores símbolos da democracia, da igualdade e da solidariedade reinando no interior da cidade. Abandonar este escudo para assegurar a coesão da falange era considerado como um ato de extrema covardia.

Esta firmeza na marcha em direção à morte - de outros ou à sua própria - não era, entretanto, obtida ao preço de um fanatismo religioso qualquer. Além disso, este processo tático democrático, referindo-se à coragem guerreira e excluindo toda covardia, é acompanhado paradoxalmente de uma crítica permanente do militarismo. Como destaca Hanson, constata-se a onipresença dos grupos literários, religiosos, políticos e artísticos para os quais a guerra devia ser justificada e explicada, e que pudesse, às vezes, impedir o emprego imprudente da força militar. A submissão dos guerreiros gregos à crítica artística, literária e religiosa levava a questionar os meios e os fins no sentido de um debate que viria sempre a refinar e a ratificar o ataque helênico, mas do que se opor a ele.

Mas, o ponto mais importante desta construção ideológica é a exaltação do combate frontal e do corpo-a-corpo. Para os gregos, qualquer outra forma de combate era considerada covarde, indigna, bárbara e desprezível, assim como os guerreiros combatendo à distância, por meio de armas de arremesso, ou como aqueles que privilegiavam a astúcia, a emboscada e o ataque pelas costas.

Esta construção ideológica será exaltada por uma cultura durante vários séculos, inclusive quando o sistema começa a entrar em decadência, a partir do século V a.C., marcando a oposição dos gregos aos modelos político-militares do Oriente. Alguns séculos mais tarde, os romanos recuperarão esse modelo e o Ocidente medieval vai imitá-los. Há 2.500 anos, todas as civilizações ocidentais fizeram o mesmo, e os arquétipos ideológicos inventados pelos fazendeiros gregos no século VIII a.C. vivem ainda na nossa cultura, tanto popular quanto militar. Os clichês sobre a suposta "velhacaria" dos orientais comprovam esse fato.

Criado com objetivo não apenas democrático, mas de certa forma "pacifista", já que se trata de impedir que a guerra não perdure por muito tempo, este modelo de guerra cedeu espaço, no decorrer dos séculos e através de múltiplas transformações, à cultura a mais mortal e a mais eficaz de todos os tempos. Os conflitos do século XX comprovam.

DA PLUMA À ESPADA

Grande parte dos intelectuais gregos tem experiência militar. Aristóteles e Platão se apaixonam pelas questões militares. Não se sabe se Aristófanes participou de uma batalha, mas é certamente o que mais conviveu com os combatentes, visto os detalhes presentes em suas peças. Em compensação, sabe-se que Sócrates participou de três batalhas, Potidéia, Anfípolis e Délion. Ésquilo combateu em Maratona contra os persas. Sófocles foi comandante das forças ateniense quando da conquista da ilha de Samos, durante a guerra do Peloponeso. Enfim, Demóstenes participou da batalha da Queronéia, em 338, batalha que representou a derrota das cidades gregas para aos conquistadores macedônios. Quase todos os historiadores gregos tiveram longa experiência militar, principalmente Tucídides, autor de A Guerra do Peloponeso, e Xenofonte. Ambos tiveram experiência militar antes de escrever.

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