segunda-feira, 8 de março de 2010

Tróia: A Guerra dos Deuses

Por dez anos, em algum momento entre os séculos XII e XIII a.C., gregos e troianos se confrontaram nas portas da cidade de Tróia. O conflito que envolveu homens e deuses foi narrado por Homero, educou os gregos antigos e marcou o fim de um período importante da história da Hélade


Quadro do pintor alemão Johann Georg Trautmann (1713-1769) mostra
o momento em que os gregos conseguiram invadir a cidade de Tróia
usando o cavalo de madeira, o famoso "presente de grego".

Nem mesmo Zeus, o senhor dos deuses, deixou de acompanhar aqueles dez anos de conflito. Até ele, que havia destronado o próprio pai e se imposto como soberano, desceu do Olimpo para assistir aos grandes combates, enquanto Posêidon, seu irmão, e Apolo, o arqueiro, interferiam diretamente no desfecho dos combates entre os heróis. E assim, uma década se passou em Tróia, cidade localizada na costa leste do Mar Egeu, onde troianos e aqueus se enfrentaram com ferocidade: e tudo por causa da "mulher mais linda do mundo". Desta forma, o futuro de toda a Grécia foi decidido, em algum momento entre os séculos XII e XIII antes de Cristo. Muitos helenos tombaram naquela guerra, cruzando o rio Styx e adentrando as terras de Hades, o deus dos mortos, e, novamente, vale lembrar o motivo: o rapto de uma rainha.

HISTÓRIA GREGA


Obra do artista italiano Federico Barocci (1528-1612) dramatiza
a queda de Tróia e mostra o guerreiro troiano Enéias
carregando sua família para fora da cidade.

Alguns eventos históricos são assim. De tão incríveis e gloriosos, os poetas, eufóricos, passam a descrevê-los de forma ainda mais heróica, carregados de elementos míticos e divinos. A realidade, no fim, funde-se ao mitológico e, com este formato, a narrativa passa para as gerações futuras, que em muitas situações aceitam os fatos descritos e passam a tratá-los como verdades absolutas.

Os conflitos narrados pelo poeta cego Homero não fogem a esta regra. De tão sensacionais, passaram a incorporar não apenas a crença dos antigos gregos, mas também a educação dos jovens. Os helenos realmente acreditavam na invulnerabilidade de Aquiles, por exemplo. O narrador mostra que a guerra de Tróia foi tão gloriosa que nem mesmo os soberanos do Olimpo contiveram-se e desceram dos céus para acompanhar seus campeões lutarem de frente às muralhas da cidade, naquela que seria "uma das maiores batalhas da Antiguidade".

O LEGADO TROIANO

A cidade de Tróia realmente existiu, conforme ficou comprovado após a bem-sucedida expedição do arqueólogo amador alemão Heinrich Schliemann, mas ninguém sabe ao certo se a lendária guerra ocorreu da forma como Homero a descreveu. Contudo, o poema foi tão importante que deuses e heróis lendários tornaram-se fundamentais para a vida dos helenos daquele período e mesmo para aqueles que viveram nos séculos posteriores. Tróia, no fim, simboliza o modo de vida e os anseios dos povos daquele período, retratando inclusive seus defeitos, fraquezas e crenças - é o relato mais próximo e completo da sociedade da época.


Estátua de Ares, o deus da guerra selvagem,
na vila de Adriano, em Roma.

O conflito de Tróia, que o poeta narra na Ilíada, parou o mundo helênico por uma década, fez deuses conspirarem contra reis e opôs heróis das duas grandes potências em um dos combates mais ferozes do mundo Antigo. Os confrontos, reais ou fictícios, mudaram os rumos da Antiguidade grega e, mais do que isso, serviram de inspiração para centenas de milhares de guerreiros durante incontáveis séculos: do espartano Leônidas, que evocou Apolo nas Termópilas antes de tombar perante os persas, ao macedônio Alexandre, que visitou a cidade antes de iniciar sua campanha rumo à Ásia, todos os grandes generais helenos celebravam os feitos de Aquiles, Páris e Ajax.

Analisar o embate troiano é fundamental para entender o modo de vida das pessoas da Mediterépoca, pois retrata exatamente as relações sociais, políticas e, no limite, a proximidade dos gregos com a religião. A guerra também foi responsável pelo início de transformações sociais fundamentais para que, tempos mais tarde, os gregos estivessem prontos para criar sua mais importante estrutura política: a democracia.

No chamado período homérico, lembra o arqueólogo Alvaro Allegrette, da Pontifícia Universidade Católica (PUC) de São Paulo, a estrutura da sociedade era bastante distinta daquela que ganharia notoriedade séculos depois, na era clássica. "Antes, nos tempos descritos por Homero, o sistema político era monárquico. Depois, com as mudanças, a Grécia passou a ter uma relação de comunidade e unidade", afirma.

Segundo o poema de Homero, o destino de Tróia foi selado no momento em que Páris, filho do rei Príamo, nasceu

MITOLOGIA HOMÉRICA

Segundo o poema de Homero, o destino de Tróia havia sido selado no momento em que Páris nasceu. De acordo com uma profecia, aquele bebê, no futuro, seria a ruína da cidade de Príamo, seu pai. Por conta disso, a criança foi encaminhada à morte, mas foi poupada secretamente pelo sacerdote que havia sido incumbido de executá-la sumariamente. Anos depois, voltaria ao lar e seria bem recebido pelo rei e por seus inúmeros irmãos.


Pintura do francês Jacques-Louis David (1748-1825)
expõe o amor de Helena e Páris.

Durante os anos em que permaneceu longe, Páris (que era chamado de Alexandre) foi procurado por três deusas. Atena, Afrodite e Hera. Elas passavam por um dilema: queriam saber qual era a mais bela, e solicitaram que o jovem entregasse um pomo para aquela que ele julgasse ser a mais bonita. Atena e Hera prometeram dar-lhe poder e riqueza. Afrodite, no entanto, foi mais astuta e prometeu lançar um feitiço sob a famosa Helena de Esparta e, com isso, torná-la apaixonada pelo jovem troiano. Conhecendo a fama da beleza da espartana, ele não teve dúvidas e, então, o pomo da Discórdia foi entregue a Afrodite. Ressentidas, as outras duas deusas manipularam os fatos dos anos seguintes para, por intermédio de Páris, jogar aqueus contra troianos.

Para entender a importância da narrativa de Homero é preciso voltar àquele período descrito no poema e analisar o funcionamento da sociedade da época. Séculos antes da democracia, as cidades da Grécia eram dominadas por monarcas com mãos-de-ferro, que assumiam o trono por direito hereditário ou por conquista militar. Era uma estrutura de sucessão política rígida, na qual as pessoas comuns não tinham muitos direitos naturais. Ao povo, restava apenas trabalhar nas colheitas, pagar impostos e lutar em guerras, quando convocados pelos soberanos.

Assim era o tempo de Agamenon, o soberano de Micenas que, após derrotar inúmeras nações no Peloponeso e a Grécia Central, pretendia expandir seus domínios para anexar às suas posses os portos localizados na costa leste do Mediterrâneo. Era justamente onde Tróia ficava, uma grande potência naval que dominava o comércio de grãos, armas e especiarias na região. Portanto, era um local estratégico para quem queria enriquecer à custa dos comerciantes asiáticos.

Nesse universo de grandes monarcas, Helena ficara encantada pelo jovem Páris, que a conheceu pessoalmente durante uma missão em Esparta chefiada por ele. Apaixonada, a rainha espartana decidiu segui-lo até Tróia. Os aqueus, contudo, acreditaram que ela havia sido seqüestrada pelo filho de Príamo. O rei traído, Menelau, buscou ajuda do irmão, Agamenon, que convocou as cidades aliadas e marchou rumo à guerra: finalmente, ele havia encontrado um pretexto excelente para atacar.


Afrodite protege Páris contra Menelaus, na obra
do pintor alemão Peter von Cornelius (1783-1867).

Aos soldados, restou apenas reunir os homens de seus clãs, deixar as fazendas sob o cuidado das esposas e dos mais jovens e embarcar rumo à Tróia, localizada onde hoje fica a Turquia. No total, descreve o poeta, 1,2 mil naus foram reunidas para ir ao combate. Munidos de escudos em formato de "oito" e carros de guerra, os guerreiros foram à luta pela honra de Menelau.

As previsões de um oráculo apontavam que a cidade sitiada só cairia após dez anos de pelejas. Homero começa sua obra justamente no décimo e último ano do conflito, em um momento crucial para ambos os exércitos. Agamenon havia tomado a cativa Brisêides para ele, desagradando Aquiles, que era amante da jovem. O líder dos mirmidões, então, decide abandonar a guerra, deixando os aqueus enfraquecidos. Ele só decide voltar à luta após seu amigo Pátroclo ser morto em combate - novamente, por influência dos deuses.

A DESCOBERTA DE TRÓIA

A lenda tornou-se realidade em 1870, quando Heinrich Schliemann, um aventureiro alemão obcecado pela história da Ilíada, encontrou os destroços da antiga cidade no território da Turquia

Até a segunda metade do século XVIII da era cristã, a cidade de Tróia não passava de uma lenda supostamente criada por um escritor grego e relatada em um poema composto a partir da tradição oral dos aedos. Contudo, o arqueólogo amador alemão Heinrich Schliemann provou que a história contada por Homero pode ser muito mais real.

O arqueólogo, na realidade, era um sonhador que havia se apaixonado pela narrativa de Tróia durante a infância, e encontrá-la tornou-se sua grande obsessão - mesmo que todos tentassem demovê-lo da idéia de buscar o fictício lar de Príamo.

Após anos de escavação, Schliemann finalmente encontrou a cidade, em 1870, localizada na costa da atual Turquia, no Helesponto (agora chamado de estreito de Dardanelos). Contudo, a glória da descoberta logo foi transformada em mais dúvidas: ele, na verdade, descobriu indícios de mais de um assentamento no local, datados de períodos e tipos de ocupações distintos. Restava, portanto, descobrir qual era a Tróia relatada por Homero.

Após anos de escavação, Schliemann finalmente encontrou a cidade, em 1870, localizada na costa da atual Turquia, no Helesponto (agora chamado de estreito de Dardanelos). Contudo, a glória da descoberta logo foi transformada em mais dúvidas: ele, na verdade, descobriu indícios de mais de um assentamento no local, datados de períodos e tipos de ocupações distintos. Restava, portanto, descobrir qual era a Tróia relatada por Homero.


Ânfora da região da Ática representa o assassinato
do rei Príamo por Neoptólemo, filho de Aquiles.

O arqueólogo, no entanto, valeu- se de métodos pouco ortodoxos para expor sua descoberta ao mundo. Ele afirmou ter encontrado o tesouro do próprio Príamo nas ruínas, algo que nunca conseguiu provar de fato. "Assim como Howard Carter (egiptólogo inglês que descobriu a tumba de Tutancâmon), Schliemann era um aventureiro que queria fama e riqueza", conta o arqueólogo Vagner Porto, coordenador da pós-graduação em arqueologia da Unisa.

De qualquer forma, sua descoberta foi fundamental para provar a existência da cidade e da guerra de Tróia. É possível, portanto, afirmar que Heitor, Aquiles e Pátroclo podem mesmo ter existido. Só não se sabe se era da mesma forma descrita por Homero.


Os troianos queimam barcos, no quadro
do francês Claude Lorrain (1600-1682).

Durante as batalhas, segundo a narrativa de Homero, os soldados de ambos os lados paravam de lutar para ver de perto os confrontos entre os grandes heróis de ambos os lados. Aquiles, Ajax e Odisseu lutavam sob o estandarte dos aqueus, enquanto Páris, Heitor e Enéias empunhavam suas lanças para proteger a sitiada Tróia. Esses personagens travaram verdadeiras aretéias, ou seja, combates singulares e heróicos. E tudo foi causado pelos deuses.


2ª Parte -->

Um comentário:

Aislan disse...

Saudações,

gostaria de parabenizar o responsável por este site, muito bem elaborado e útil,

obrigado