domingo, 20 de dezembro de 2009

Alexandre, o visionário

Além da audácia no comando do exército e das brilhantes vitórias contra os persas, o rei da Macedônia também foi um grande empreendedor. Ele ergueu cidades, construiu estradas, usou diplomacia com os inimigos derrotados e planejou "globalizar" o mundo Antigo



Gravura de Alexandre falando a seus oficiais antes
de importante batalha. O monarca macedônio pode
ser considerado visionário, pouco compreendido
em sua época, mas venerado por gerações futuras.

Ele formou um dos exércitos mais bem treinados da história, subjugou o Império Persa, conquistou 90% do mundo conhecido e, mesmo depois de travar mais de cem batalhas, morreu sem jamais sofrer uma derrota em combate. Alexandre, filho de Olímpia e herdeiro de Filipe da Macedônia, realmente mereceu ser chamado de 'o Grande'. Mas suas qualidades como líder não se restringiram apenas às questões militares. Ele também revolucionou o mundo Antigo usando diplomacia e seu ambicioso projeto de ligar a Europa, Ásia e o norte da África, mais de dois mil anos antes de ser criado o termo 'globalização'.

Alexandre nasceu em Pela, no norte da Grécia, em 356 antes de Cristo, e desde cedo seu destino esteve ligado à glória e à conquista. Sempre impetuoso, o general macedônio foi venerado como um grande guerreiro. Além do sucesso no campo de batalha, ele também se destacou por ter levado a cultura helênica aos extremos do mundo, inaugurando uma nova era para a política de relações internacionais: transformou ex-inimigos em aliados, perdoou antigos adversários derrotados, casou-se com uma estrangeira e, o mais importante, vislumbrou a possibilidade de construir estradas ligando todos os territórios anexados durante anos de guerra.

Outro grande mérito atribuído a Alexandre foi a construção de diversas cidades pelos três continentes envolvidos em sua campanha contra os persas. De acordo com o historiador Paul Cartledge, professor de história grega da University of Cambridge (Inglaterra), as fontes mais antigas estimam que Alexandre construiu pelo menos 70 cidades, mas estudos modernos apontam números mais modestos: algo entre dez e 12 pólis (termo grego para cidades).

De qualquer forma, o modo de concepção desses centros urbanos foi revolucionário. Essas cidades não foram erguidas ao redor de grandes templos, como era comum na Antiguidade. Alexandre pensava adiante e projetou suas metrópoles ancoradas em vastas áreas comerciais, transformando- as em pontos de encontro de negócios e cultura. Algumas delas, como Kandahar (Afeganistão) e Alexandria (Egito), existem até hoje - a segunda, inclusive, foi erguida nas margens do mar Mediterrâneo como forma de facilitar o escoamento de mercadorias, e até hoje é a segunda maior cidade do país, com cerca de oito milhões de habitantes.
O rei macedônio pode ser considerado um grande visionário, pouco compreendido em sua época, mas venerado por sucessivas gerações futuras. O próprio ditador romano Júlio César guardava uma grande admiração pelo monarca grego.

DO NASCIMENTO ÀS CONQUISTAS

De olho nos recursos naturais de um território O historiador queronéio Plutarco, grande biógrafo da Antiguidade, escreveu que o nascimento de Alexandre foi marcado por uma série de eventos míticos, que servem para reforçar sua predestinação para a glória. Verdadeiros ou não, o certo é que esses fatos demonstram a forma como as pessoas da época viam e idolatravam os feitos do monarca da Macedônia.

Alexandre nasceu no sexto dia do mês de Hecatombeon, enquanto o templo de Ártemis no Éfeso, uma das sete maravilhas do mundo antigo, era destruído em um incêndio. Além disso, outros presságios chegaram aos ouvidos de Filipe, que acabara de tomar a Potidéia em uma batalha. A primeira notícia é de que ele havia ganhado o prêmio na corrida de celas, nas Olimpíadas. Além disso, soube que naquele dia Parmenion, seu principal general, havia derrotado os ilírios, ao mesmo tempo em que seu filho nascia em Pela.

Os presságios não podiam ser melhores para o rei Filipe: três boas notícias em um único dia só poderiam ser sinal de prosperidade. Contudo, nem o pai e nem os videntes da época seriam capazes de imaginar até onde a audácia do jovem Alexandre o levaria.

Uma série de eventos místicos servem para reforçar a predestinação de Alexandre para a Glória


Moeda de Alexandre, O Grande, com representação
da deusa grega Niqué. A fotografia foi feita no
Museu Metropolitano de Arte de Nova York.

Desde cedo, ele demonstrava muita segurança ao afrontar ordens e já dava sinais de que desafiaria qualquer liderança que se apresentasse a ele - inclusive o próprio pai. Conta Plutarco que, certa vez, um vendedor ofereceu um belo cavalo a Filipe, ao custo de 13 talentos. Contudo, logo perceberam que o animal era selvagem demais e não poderia ser montado. Desapontado, o rei mandou que fosse levado embora. Alexandre, que acompanhava a cena, teria dito, em tom jocoso. "Que cavalo estão perdendo! É por inexperiência e timidez que não conseguem nada."


Representação de Alexandre com Bucéfalo, que
se tornaria seu cavalo. No relato de Plutarco,
Alexandre dava sinais de brilhantismo desde
jovem, quando conseguiu, por perspicácia,
montar o cavalo que parecia indomável.

Após muita insistência do filho, Filipe permitiu que o garoto tentasse montar o cavalo, com a condição de que pagaria os 13 talentos caso não tivesse êxito. Alexandre aproximou-se do animal, batizado de Bucéfalo, pegou as rédeas e virou-o de modo que não visse a sombra. Ele tinha percebido que o cavalo estava assustado com a própria imagem projetada pelo sol. Após acalmá-lo, o jovem conseguiu montá-lo. Ao ver a glória do filho, Filipe ficou emocionado, correu até ele e disse, chorando. "Meu filho, procura um reino digno de ti! Para teu valor é pequena a Macedônia." Esse relato é um forte indicativo de que Alexandre não era mesmo um jovem comum.

Três anos depois, já com 16, Alexandre ganhou de vez a confiança dos macedônios no campo de batalha, quando seu pai estava afastado por conta de uma guerra contra os bizantinos. Na ausência de Filipe, o jovem príncipe foi obrigado a comandar os exércitos e lutar contra os revoltosos nedaras, tomando duas cidades com bravura.

Pouco tempo após esse fato, Alexandre tomou parte da Batalha de Queronéia, na qual Filipe venceu a liga grega e deu início à hegemonia macedônia na Hélade. Plutarco conta que, durante o combate, Alexandre foi escalado para comandar a cavalaria e foi o primeiro soldado a atacar diretamente o lendário batalhão sagrado de Tebas - o que possibilitou a derrota dos inimigos.

Engana-se, porém, quem pensa que ele foi tratado com diferença durante sua formação. Alexandre recebeu o mesmo treinamento dado aos garotos de sua idade. Esse plano educacional fazia parte do ambicioso projeto de Filipe de educar a população inculta e formar uma nova geração bem preparada de macedônios - que incluía seu filho.

Alexandre foi o primeiro soldado a atacar diretamente o lendário batalhão sagrado de Tebas

O rei grego havia transformado o país de uma terra de pastores em uma grande potência militar e comercial, o que não foi uma jornada fácil. No auge do período clássico, espartanos e atenienses menosprezavam os macedônios, considerados inferiores por seus costumes pastoris. Os habitantes da Macedônia eram classificados como rudes, hostis e incultos - tanto que aceitavam viver sob o domínio de um único soberano, ao invés de exigirem a instauração de um regime democrático, como havia em Atenas.

Para mudar isso, Filipe investiu forte na educação. Contratou Aristóteles, considerado o maior filósofo do período, para educar os jovens e lecionar para Alexandre e seus futuros generais.


Afresco de Dario, que, derrotado em um primeiro
combate, reuniu exército com 600 mil homens e
comandou as tropas contra Alexandre pessoalmente.
Em vão, pois os macedônios, em menor número, venceram.

O grande sonho do rei, no entanto, era unificar toda a Grécia sob uma única bandeira e marchar em direção à Ásia, para derrotar os persas, que já incomodavam os gregos há séculos. Contudo, ele nunca concretizaria esse objetivo. Filipe foi assassinado e, aos 20 anos, Alexandre herdou não apenas a coroa, mas também o sonho do pai.

Uma das principais diferenças entre os dois, do ponto de vista ideológico, era o objetivo final. Filipe queria simplesmente obliterar a ameaça representada pelos persas e conquistar seus territórios. Alexandre, no entanto, sonhava muito além. Seu intento era derrotar Dario III e assumir o controle da Babilônia. Ele ainda tinha a intenção de respeitar a cultura e a religião de cada povo, mantendo a grande diversidade asiática.

GUERRAS DE ALEXANDRE

De fato, Alexandre o Grande colocou o plano em ação. Após controlar insurreições internas na Grécia, o presunçoso rei marchou à Ásia com um exército de cerca de 30 mil homens na infantaria, além de cinco mil cavaleiros. A linha de frente lutava com sarissas: lanças com até seis metros de comprimento.


Detalhe de pintura intitulada Batalha de Issus, do pintor
Altdorfer, feita em 1529. Atualmente, a obra se encontra
no Pinakothek Museum, em Munique, Alemanha.

Conta-se que a audácia era tamanha que ele partiu da Macedônia sem recursos suficientes para concluir a campanha. A idéia era confrontar e derrotar os bárbaros e, desta forma, tomar suas riquezas em cada cidade tomada para custear o restante da guerra.

Logo após cruzar o Helesponto, Alexandre visitou Tróia, onde ofereceu sacrifícios a Minerva, e fez reverências no túmulo de Aquiles. Em seguida, seguiu viagem e, em pouco tempo, teve seu primeiro grande confronto contra as tropas de Dario III, em 334 aC.

O rei persa havia ordenado que um exército fosse reunido nas margens do rio Granico, para impedir o avanço da Macedônia. Os hoplitas de Alexandre temiam atravessar o rio por conta da profundidade. O general Parmenion tentou dissuadi-lo da idéia. O macedônio, porém, obcecado e inabalável, mergulhou nas águas acompanhado de 13 companhias de cavalaria, embaixo de uma nuvem de flechas atirada pelos inimigos, que aguardavam do outro lado.

Após muitas baixas e muito sacrifício, os macedônios conseguiram atingir a outra margem, muito íngrime e defendida por uma cavalaria persa. "Uma multidão de inimigos precipitou-se sobre Alexandre, pois o reconheciam pelo brilho de seu escudo e pelo penacho de seu capacete encimado por duas asas de alvura deslumbrante e de tamanho maravilhoso. Roesaces e Spitridates, dois generais de Dario, chegam juntos para atacar; mas ele evita o segundo e bate com a lança na couraça de Roesaces. A lança voa em estilhaço", relata Plutarco. "Enquanto estão os dois lutando com furor, Spitridates aproxima-se, para tomar Alexandre de flanco e, erguendo-se sobre seu cavalo, dá-lhe na cabeça um golpe de cimitarra, que lhe abate o penacho com uma de suas asas. Spitridates preparava-se para assentar uma segunda pancada, quando foi prevenido por Clito, o Negro, que o atravessou com seu dardo. Ao mesmo tempo, Roesaces caiu morto por um golpe de espada de Alexandre."
Durante o choque da cavalaria, a infantaria macedônia conseguiu atravessar o Granico, que despedaçou a resistência persa em pouco tempo.

Diante da derrota, Dario reuniu um exército de 600 mil homens, segundo Plutarco, e comandou pessoalmente as tropas contra Alexandre. Os dois exércitos enfrentaram-se em Íssus, já na Ásia Menor, em 333 aC. Porém, um erro estratégico na escolha do campo de batalha deu a vantagem aos macedônios, que mesmo em menor número conseguiram dominar a situação.

O grande trunfo de Alexandre foi saber manobrar bem as falanges. "Apesar da multidão inumerável dos bárbaros, soube proteger seu exército, tão inferior em número, contra o perigo de ficar envolvido: fez sua ala direita avançar sobre a ala esquerda dos bárbaros que tinha defronte, combatendo ele próprio nas primeiras fileiras."


Ilustração de um contra-ataque de falange Macedônia em
combate. Alexandre sabia manobrar bem as divisões de seu
exército, por vezes ele mesmo combatendo nas primeiras fileiras.

Novamente, a audácia de Alexandre garantia mais uma vitória sobre Dario, que fugiu. Os macedônios conseguiram, no entanto, capturar a mãe, a esposa e as duas filhas do persa. Ao invés de executá-las, Alexandre foi diplomático: garantiu conforto e segurança às cativas e a seus servos. Além disso, ao saber que dois soldados de Parmenion haviam estuprado algumas prisioneiras persas, Alexandre enviou uma carta ao general exigindo a execução dos violadores.


2ª Parte -->

3 comentários:

Andréa disse...

Verdadeiramente um grande líder. Jamais poderá ser esquecido.Sempre tive grande admiração por sua trajetória.

Anônimo disse...

A questão das biografias dos grandes líderes da História, é separar os fatos dos mitos. Todavia, estudar a vida de Alexandre é, sem dúvida, fascinante.

Parabéns pelo seu trabalho, Valter. Estou seguindo o seu blog. Se estiver interessado em fazer parceria com o História Digital, estamos aí:
http://webdigitaleducator.blogspot.com/2009/07/blogs-parceiros-do-profmichel.html

Um grande abraço,
Prof_Michel

Eber Ventura disse...

Parabéns pela brilhante pesquisa. Alexandre foi um líder que nos ensina muito em nossos dias. Uma das suas muitas qualidades é o fato de que ele não apenas era um delegador de ordens, escondido atrás de uma escrivaninha, mas estava presente e atuante nas inúmeras batalhas que ele e seu exército travaram.

sds
Eber
(http://geografia-biblica.blogspot.com)