domingo, 20 de dezembro de 2009

Alexandre, o visionário

Gravura de Tiro perseguido e capturado por Alexandre.
A cidade recusou a única oferta de rendição às cidades
marítimas da Fenícia e do Chipre, que o macedônio desejava
controlar. Sitiada por meses, Tiro, por fim, sucumbiu.

Antes de prosseguir rumo ao Oriente, Alexandre decidiu garantir a posse das cidades marítimas da Fenícia e do Chipre, para assegurar a hegemonia do comércio no Mediterrâneo. Apenas Tiro recusou a oferta de rendição. A cidade foi sitiada por sete meses e caiu diante das máquinas de guerra e das trirremes da Macedônia, em 332 aC.

Dario, vendo o perigo que corria, enviou uma embaixada até Alexandre, para fazer uma proposta de paz. Propôs o pagamento de dez mil talentos pelo resgate dos prisioneiros, além de entregar todos os territórios próximos do rio Eufrates e uma das suas filhas em casamento. O macedônio, por sua vez, exigiu que Dario se entregasse.

Portanto, não houve acordo e os dois exércitos voltaram a se confrontar em Gaugamela (331 aC). No confronto, Alexandre impeliu sua cavalaria diretamente contra a guarda real de Dario, causando muitas baixas e obrigando o inimigo a recuar. A vitória só não foi absoluta porque Parmenion estava sendo derrotado na ala esquerda do combate e, ao pedir ajuda, Alexandre foi obrigado a abandonar a perseguição ao rei persa para auxiliar os companheiros. Mesmo assim, caia definitivamente o grande Império persa e o filho de Filipe e Olímpia era proclamado monarca de toda a Ásia - com apenas 25 anos.




1. 335 a.C.: BATISMO DE SANGUE
As cidades de Tebas e Atenas se rebelam por duas vezes contra o recém-empossado Alexandre. Tebas resiste ao exército do macedônio até o final e é completamente destruída. Atenas, mesmerizada pelo exemplo da cidade vizinha, rende-se.

2. 334 a.C.: BRIGA NOS PORTÕES DA ÁSIA
Com a Grécia estabilizada, Alexandre parte para a Pérsia. Já perto da cidade de Tróia, os 42 mil homens do Macedônio enfrentam o inimigo na batalha de Granico. Por causa da impulsividade de seu líder, que por pouco não foi morto, o exército macedônio ganhou a vantagem da surpresa ao atacar imediatamente o exército rival e destruí-lo.

3. 333.a.C.: ENCRENCA GROSSA COM O MAIORAL
O imperador Dario III recruta cerca de 100 mil homens de toda a Ásia e vai de encontro ao abusado invasor. Apesar da força duas vezes superior, a cavalaria de Alexandre infringiu pânico e desbaratou as tropas de Dario.

4. 332 a.C.: UMA PARADA VIOLENTA
A cidade de Tiro se recusa a aceitar uma cerimônia dos macedônios e Alexandre levanta um cerco. Após meses, os macedônios tomam a cidade, chacinam 8 mil tirenses e escravizam os 30 mil restantes.

5. 331 a.C.: A VITÓRIA DEFINITIVA
A força de 50 mil homens de Alexandre era de qualidade superior ao exército persa, com 90 mil soldados. A tática ousada da cavalaria e o treinamento superior da infantaria macedônia na batalha de Gaugamela resultaram numa vitória conclusiva para Alexandre, agora "rei de toda a Ásia".

6. 326 a.C.: ÍNDIA, A FRONTEIRA FINAL
Alexandre ruma para o leste até se deparar com a resistência do rei Porus, às margens do rio Jelum. A luta, conhecida como batalha de Hisdaspes, resultou em vitória macedônia, mas foi tão sangrenta, que obrigou "o Grande" a dar meia volta e seguir para a Babilônia.

Apenas Tiro recusou a oferta de rendição: foi sitiada por sete meses e caiu diante das máquinas de guerra da Macedônia

Ao entrar na Babilônia e em Persépolis, Alexandre mostrou novamente sua diplomacia: respeitou unilateralmente a cultura dos povos conquistados, não permitindo o saque das cidades e autorizando inclusive os cultos aos seus deuses.

Ele até mesmo incentivou que seus generais se casassem com mulheres persas, gesto muito criticado pelos muitos macedônios que não aprovavam a miscigenação.

Ele próprio desposou uma nativa da Báctria, durante a perseguição ao fugitivo ex-rei persa. Praticamente todos os seus generais criticaram o casamento de Alexandre com Roxana, pois consideravam que ela descendia de um povo inferior e, portanto, não era digna do trono da Macedônia.

Após a conquista das terras de Dario III, o líder macedônio vislumbrou a possibilidade de construir estradas unindo todas as cidades criadas por ele e os territórios anexados, como uma espécie de globalização. Segundo o historiador escocês A. R. Burn, professor da University of Glasgow, Alexandre aprendeu com seus tutores que os persas eram meros bárbaros, mas passou a respeitá-los quando conheceu de perto sua cultura. "O rei macedônio aprendeu a respeitar os inimigos após reconhecer sua coragem em campo de batalha. Além disso, ele passou a admirar até mesmo as questões burocráticas do Império de Dario, como a eficiência do sistema administrativo das pólis", conta ele.

LOUCURAS DE ALEXANDRE

Embora tenha sido um grande visionário, a vida de Alexandre também foi marcada por alguns excessos, como o massacre de Tebas e o assassinato de Clito, o homem que o salvou da morte na Batalha de Granico.

Muitos detratores afirmam que Alexandre sempre foi megalomaníaco. Outros garantiam que o filho de Filipe desejava demais o trono do pai e não mediria esforços para conquistá-lo. Enfim, o certo é que o general macedônio cometeu atos de barbárie semelhante aos praticados pelos inimigos 'bárbaros' em muitas situações. Uma das teorias considera que Alexandre o Grande perdeu o controle quando visitou o oráculo de Siwa, no Egito, e foi reconhecido como um filho legítimo de Zeus. Com o título de faraó, seus súditos passaram a ser obrigados a fazer reverências em eventos oficiais da corte - algo que não combinava com os costumes macedônios da época.

Porém, anos antes disso ele já demonstrava que sua fúria fugia do controle, em algumas ocasiões. Logo após assumir o trono, ele cruzou as Termópilas e rumou à Grécia Central para conter uma grande rebelião, impelindo com violência contra os tebanos. "Chegado diante de Tebas, deu a esta cidade o tempo de se arrepender. Pediu tão somente que lhe entregassem Fênix e Piruetes", narra o historiador Plutarco. Contudo, diante da recusa imediata - e de outras barganhas feitas pelos tebanos - Alexandre avançou contra a cidade.

Os tebanos defenderam-se com bravura, mas não foram capazes de resistir à força dos atacantes. Envolvidos por todos os lados no campo de batalha, as defesas de Tebas caíram. A cidade foi completamente saqueada e destruída, e muitos habitantes foram passados à lança, como forma de assustar outros pretensos revoltosos. Outros tantos homens e mulheres foram vendidos como escravos.

Em 328 aC, já na Pérsia, Alexandre novamente viria a cometer mais atos impensados. Diante de suspeitas de conspiração e traição, mandou que o general Filotas fosse torturado na frente de todos, até a morte. Nem as súplicas serviram para que sua morte fosse menos dolorosa. Em seguida, enviou soldados a Meda, para matar outro suposto conspirador, Parmenion, aliado dos tempos de Filipe e grande guerreiro.

Pouco depois, foi a vez de Clito ser enviado a Hades pela fúria do rei macedônio. Durante um banquete, ele e Alexandre discutiram. O general, segundo Plutarco, teria dito. "Como invejamos a felicidade dos que morreram antes de ver os macedônios flagelados pelas vergas dos medos, e obrigados, para serem recebidos por seu rei, a implorar a proteção dos persas!"

Bêbado, Clito deixou claro que estava insatisfeito com o fato de ser obrigado a banquetear à mesa com ex-inimigos bárbaros. Alexandre levantou- se de sobressalto e, Furioso com as acusações, trespassou o peito do amigo com uma lança.

DO LIMITE AO FIM

A campanha de Alexandre rumo ao Oriente chegou ao fim em 326 aC, pouco depois de derrotar o rajá Porus às margens do rio Hidaspes, na Índia. Além do forte calor e as chuvas que castigavam a região, os hoplitas macedônicos ficaram atônitos diante dos quase 90 elefantes de batalha usados pelo exército inimigo. Foi um dos combates mais sangrentos da Antiguidade.


Do ilustrador Andre Castaigne, representação de
Alexandre ao aceitar a rendição do rajá indiano Porus.
O evento marcou o fim da campanha rumo ao Oriente.

O confronto começou ainda na madrugada. Porus impeliu todas as suas tropas contra os macedônios e lutou com uma fúria 'quase espartana', sobretudo após perder dois filhos na batalha. Alexandre, vendo sua cavalaria refugar diante dos paquidermes inimigos, reorganizou as tropas e investiu contra o rajá que, pressionado, assumiu a derrota e pediu rendição, após oito horas de escaramuças. Contudo, ao invés de ser executado, o indiano recebeu o perdão do rei macedônio e foi poupado, permanecendo leal a Alexandre.

No local da batalha, foi fundada mais uma cidade, batizada de Bucefália em homenagem ao cavalo Bucéfalo, que tombou no combate.

O monarca queria prosseguir e adentrar mais a fundo no território indiano, mas suas tropas, cansadas de anos de guerra, recusaram a prosseguir a jornada.

Chegava ao fim a vitoriosa campanha de Alexandre o Grande, que retornou à Babilônia, onde, em 324, perdeu o grande amigo Heféstion, supostamente por conta do excesso de ingestão de vinho.


Gravura simboliza a morte de Alexandre, que teria
morrido por conta da bebida, aos 33 anos, embora
existam teorias que defendam como causa mortis
a sífilis, a malária, ou um envenenamento.

No ano seguinte, o próprio Alexandre viria a adoecer em decorrência da bebida, embora algumas teorias falem de sífilis, malária ou mesmo envenenamento. O certo é que no dia 10 de junho de 323 aC, o soberano do mundo Antigo caiu aos 33 anos, sem nunca ter encontrado um adversário que o derrotasse em batalha.

Após sua morte, os generais deram início a uma briga pela sucessão, que culminou na fragmentação dos territórios conquistados. Ptolomeu foi o único que conseguiu manter a hegemonia local, no Egito. Nas outras partes do Império, disputas internas enfraqueciam cada vez mais a Macedônia. O sonho chegava ao fim.

ENTREVISTA: PAUL CARTLEDGE

O historiador Paul Cartledge, da Cambridge University, é um dos maiores especialistas contemporâneos de história grega, e afirma que há muitas lendas referentes a Alexandre. Em entrevista a Leituras da História, ele afirmou que o número de cidades construídas pelo macedônio certamente é superestimado, além de garantir que houve um motivo real para seu casamento com a báctria Roxana.

Leituras da História - Fala-se muito do ambicioso projeto de Alexandre, de unificar o mundo antigo sob uma mesma bandeira. Além disso, ele concedeu o perdão para muitos ex-inimigos. Seus generais acreditavam nesse sonho?
Paul Cartledge - Poucos generais macedônios compartilhavam esse sonho do rei. Alexandre, contudo, realmente tinha um grande projeto. Ele certamente tinha a idéia de criar um império politicamente unificado, e as estradas seriam um aspecto chave para concretizar esse plano na prática. Os inimigos derrotados de Alexandre transformaram-se, portanto, em assuntos de extrema importância para seu novo império, mesmo porque muitos deles seriam empregados na construção das estradas.

LH - É comumente aceito que Alexandre morreu invicto, sem jamais ter perdido uma batalha. Essas fontes são confiáveis ou há controvérsias?
Paul Cartledge - Houve quatro grandes batalhas durante a campanha: Granico (334), Íssus (333), Gaugamela (331) e Hidaspes (326). Porém, Alexandre e seus generais lutaram muitas outras batalhas menores, especialmente durante a campanha na Ásia Central, entre 330 e 327, além de alguns cercos (o mais importante foi o de Tiro). Houve sim algumas pequenas derrotas, como a falha no cerco de Halicarnasso.

Mas de qualquer maneira, Alexandre foi totalmente vitorioso em sua expedição.

LH - Alguns historiadores afirmam não existir um motivo plausível para justifi- car o casamento de Alexandre com Roxana. O senhor tem alguma teoria?
Paul Cartledge - O pai de Roxana, Oxyartes, governava uma parte vital do território onde hoje fica o Afeganistão. Assim como seu pai Filipe, Alexandre lutou suas guerras em busca de alianças, ou seja, contraiu alianças diplomáticas com as filhas dos líderes derrotados em áreas estratégicas vitais. O casamento com Roxana foi uma forma de criar laços com líderes daquela região.


<--1ª Parte


.:: Leituras da História

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