sexta-feira, 9 de abril de 2010

A Europa nasceu na Idade Média?

Com seu estudo sobre o passado, Le Goff quer participar da construção do presente




Os debates acerca da adesão de novos países à Comunidade Européia, notadamente a Turquia, mostram as dificuldades de concretização do projeto de Europa subjacente à União Européia. Tais hesitações evidenciam o quanto há de arbitrário na noção de Europa. Que vem a ser a Europa? Quando se inicia sua história? Quais as bases de sua legitimidade? Jacques Le Goff aceita o desafio da questão: a Europa nasceu na Idade Média? A esta pergunta – que constitui o título francês da obra – o autor tenta responder afirmativamente a cada página.

Desde a década de 80, Le Goff passou a militar em favor da idéia de “Europa cultural”: unidade cultural ancestral que legitima a unidade econômica atual e os meios para sua efetivação. Tal legitimidade, deixa claro, se fundamenta na superioridade dos valores europeus, cujo humanismo e democracia são propostos ao mundo. A defesa da Europa reverte, assim, para aquela de uma certa globalização. Esta se caracterizaria igualmente pela difusão dos ideais europeus dos direitos do homem.


Mapa da Europa, por Guilielmo Blaeuw, século XVIII.

O texto foi concebido como um pequeno dicionário temático, realizando um apanhado geral das teses, métodos e teorias que marcaram as pesquisas do autor. Da junção entre a necessidade de defesa da “Europa cultural” e a Idade Média de Le Goff decorrem dificuldades. Estas não permitem ao autor realizar o esperado estudo das acepções históricas do termo “Europa”, o que deve ser atribuído a seu pequeno interesse para a comprovação da tese da obra. Assim, “Europa” permanece um termo vago – ora é o Ocidente, ora a cristandade, ora parece circunscrever-se à França e à Alemanha, ora inclui a Grécia para logo deixar de fazê-lo – cuja realidade é tecida a partir da afirmação da “europeicidade” dos temas de eleição do autor. Submetidos ao método da história global e à teoria da longa duração, estes elementos são perfilados sem que suas relações com a idéia de Europa sejam documentadas.
Editado pela primeira vez em 2003, o livro apresenta-se como um, verdadeiro empreendimento europeu. Publicado simultaneamente na França, Alemanha, Inglaterra, Espanha e Itália, faz parte do projeto Faire de l’Histoire – coleção que pretende tratar de grandes temas da história européia. A despeito da resposta afirmativa à pergunta que constitui o título original da obra, esta começa com uma afirmação ponderada: “A Europa se constrói. É uma grande esperança”. O objetivo do estudo é portanto participar de uma construção do presente. A dificuldade de sustentar o empreendimento em um período recuado como o medieval, quando a noção de fronteira é incipiente e a amarração dos territórios e populações acontece fica evidente.

Resta ao leitor decidir se tem razão o autor ou aqueles que afirmam que, embora o termo “Europa” tenha uma longa história, a “idéia” de Europa é um fenômeno que tem como marco a Revolução Francesa – de onde derivam e se difundem os ideais modernos de direitos do homem, humanismo e democracia - e, mais recentemente, as disputas ideológicas em torno da reconstrução dos países destruídos pelas duas guerras mundiais.

.:: Revista História Viva

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