sexta-feira, 9 de abril de 2010

O retorno (triunfal) de Arquimedes

Recuperação do Códex C, onde o maior físico-matemático da Antigüidade trata da flutuabilidade dos corpos, emerge sob um velho livro de orações




Livros são surpreendentes. E podem ser ainda mais quando se referem a outros livros, especialmente se o relato tratar do que já é considerado a “oitava maravilha do mundo”: o Códex C de Arquimedes, o mais famoso físico-matemático da Antigüidade e um dos maiores gênios da história nessas áreas do conhecimento.

Pouco se sabe sobre Arquimedes, já que a biografia escrita por seu amigo, Heracleides, foi perdida. Entre as poucas referências está o fato de que seu pai foi o astrônomo Fídias, segundo o próprio Arquimedes registrou em O contador de grãos de areia. Ele também pode ter sido parente do rei Hieron II, segundo Plutarco e Políbio, e é bastante provável que tenha visitado Alexandria, por várias evidências conhecidas.

Arquimedes acabou popularizado pela expressão eureca, para se referir a uma de suas descobertas: o princípio da flutuabilidade. Segundo a lenda, tomado pela emoção da descoberta ele teria saltado nu, de uma banheira, correndo pelas ruas e gritando “eureca, eureca” (“descobri, descobri”).

O mais famoso gênio da Antigüidade teria sido morto por soldados romanos, durante a Segunda Guerra Púnica, em 262 a.C. Conta-se que soldados romanos invadiram a praia de Siracusa, onde um velho (Arquimedes) desenhava círculos na areia. Sem suspeitar da identidade do matemático, os soldados o teriam assassinado por uma razão fútil: ele teria se recusado a obedecer a ordens, para não interromper um raciocínio que supostamente desenvolvia. Sua sepultura teria sido decorada com o desenho de uma esfera no interior de um cilindro, parte de uma de suas demonstrações matemáticas. Arquimedes determinou o valor de Pi (3,1416...), fundamental em matemática, em meio a um vasto conjunto de outras criações, descobertas e desenvolvimentos, entre os quais magníficas máquinas de guerra.

A história do Códex C, para resumir detalhes que renderiam ao menos um outro livro, pode ser contada a partir de 1204, numa nova guerra envolvendo bárbaros soldados cristãos determinados a conquistar Jerusalém. Numa parada em Constantinopla (atual Istambul), então a cidade mais rica da Europa oriental, eles fizeram o saque que produziu uma das maiores perdas da história da cultura. Comparada às dos guerreiros cristãos, a destruição que George W. Bush produziu no patrimônio cultural do Iraque, o berço da história, é absolutamente irrelevante.

Da destruição generalizada feita pelos cristãos em Constantinopla pouca coisa de salvou, entre elas três textos de Arquimedes que desapareceram posteriormente. O primeiro foi o Códex B – a última notícia dessa obra a localizava na biblioteca papal em Viterbo, ao norte de Roma, em 1311. O seguinte foi o Códex A, que teria integrado a biblioteca de um humanista italiano, em 1564. Cópias desses dois livros alimentaram as especulações de Leonardo, Galileu, Newton e Leibnitz, mas nenhum deles soube do paradeiro do terceiro livro, o Códex C. Nada menos que 800 anos depois do saque de Constantinopla, o Códex C entrou em cena.

Como tudo isso ocorreu em detalhes é o que está contado em Códex Arquimedes – Como um livro de orações revelou a genialidade de um dos maiores cientistas da Antigüidade, escrito por Reviel Netz e William Noel. Como o surpreendente reaparecimento da obra, a entrada dos autores do livro em cena também é obra do que se pode chamar de “fiação invisível do mundo”, conectando os fatos mais inesperados.

Para não tirar o prazer do leitor nessa incursão pelas profundezas históricas convém adiantar que, se tivesse sido recuperado muito antes, certamente o Códex C não teria provocado maior impacto. E isso porque não havia sofisticação tecnológica suficiente para identificá-lo num palimpsesto, obra escrita sobre pele de cabra e que costumava ser raspada para a produção de outro livro. E o que aparecia com maior destaque aqui era um livro de orações.


Anotações de Arquimedes, escondidas sob manuscrito de orações,
estão sendo lidas com auxílio de raio X fluorescentes.

O que está sendo chamado de Palimpsesto de Arquimedes foi lido com a ajuda da tecnologia de raios X fluorescentes, produzidos pelo Centro do Acelerador Linear da Universidade Stanford, nos Estados Unidos. Detalhes de como tudo isso ocorreu e a razão de Netz e Noel serem os autores do livro que revela essa epopéia é parte das descobertas que o leitor fará, como se participasse diretamente das investigações.

.:: Revista História Viva

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